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Desabafos

Desabafos

07
Jan20

A morte!

Paulo Dias

Desde que me recordo da minha existência fui sempre um hipocondríaco inveterado, qualquer dor, qualquer má disposição, levava-me sempre a pensar no pior, que teria alguma doença má e por aí adiante, o simples facto de ouvir alguém relatar um qualquer problema de saúde e o seus sintomas, levava-me logo a pensar que também eu teria o mesmo problema, é algo que achamos jamais poder controlar.

Eu apenas me diferenciava das pessoas hipocondríacas no facto de ter receio de ir ao médico, evitava ao máximo entrar num consultório e quando o fazia os nervos e a ansiedade apoderavam-se de mim, porque achava sempre que me ia ser diagnosticada uma doença grave, mas na generalidade os hipocondríacos caracterizam-se por visitas constantes ao médico, por quererem fazer exames a tudo e mais alguma coisa de forma a despistarem a existência de uma doença que acreditam ter, por isso até neste aspecto sou um tipo estranho.

Escusado será dizer que grande parte da minha vida foi passada com um medo terrível de qualquer doença e aterrorizado pela ideia da morte, com uma única excepção, absorvido pelo serviço e em situações de risco elevado, nunca temi a morte, parece um contrassenso, mas é a realidade. Contudo e quando eu achava que jamais iria controlar este problema, eis que no dia 1 de Agosto de 2018 sou internado no Hospital de Santa Maria e esse data mudou a minha vida em diversos aspectos, um deles foi a perda de qualquer receio de morrer. Nesse dia e como se diz na minha terra, chorei baba e ranho, nem queria ir ao hospital, mas a minha esposa conseguiu ser mais persuasiva e lá me levou à urgência de oftalmologia de Santa Maria. Observado pela oftalmologia e perante o cenário observado pelo médico, este decidiu chamar a neurologia, ora quando me vi a ser observado por vários neurologistas, ao ver-me numa máquina de TAC e depois do neurologista ver este exame, comunicar à minha esposa que eu tinha de ficar internado para na manhã do dia seguinte realizar uma ressonância magnética, pois existia uma grande probalidade de ter um cancro no cérebro, chorei como uma criança durante horas.

No dia seguinte enquanto aguardava pela ressonância, chorei muito, quando fui colocado na máquina para realizar o exame, pedi de imediato para sair, no entanto nessa altura e no espaço de poucos segundos a minha cabeça fez um clique, pensei nos meus filhos e que por eles tinha de fazer aquele exame e depois fosse o que Deus quisesse. Fiz o exame no tempo previsto, sem necessidade de fazer qualquer interrupção, parei de chorar, fui novamente para o SO de Santa Maria e até às seis da tarde do dia 2 de Agosto de 2018 não verti nem mais uma lágrima, nessa altura o mesmo grupo de neurologistas que me haviam observado no dia anterior, comunicaram-me que teria de ficar internado no serviço de neurologia para realizar mais exames, no entanto a hipótese de ter um cancro no cérebro estava praticamente descartada, que o meu problema era algo que acontecia com muito pouca frequência, tratar-se-ia à primeira vista de uma encefalopatia hipertensiva, que é basicamente uma lesão no cérebro provocada por valores da hipertensão arterial completamente fora do normal, como no meu caso que durante os primeiros dias de internamento tive registos de 250 de sistólica e 190 de diastólica, era segundo uma neurologista com mais experiência uma autêntica bomba relógio. A encefalopatia em si é reversível, o que é irreversível são as lesões provocadas em outros órgãos, nomeadamente, visão, coração e rins.

Nos 21 dias que estive internado, foram-me efectuados uma parafernália de exames, TAC, ressonâncias, punção lombar e muitos outros, fi-los com a maior naturalidade e sempre que efectuava um exame mais invasivo, como é o caso da punção lombar, fixava o pensamento nos meus filhos e realizava o exame com toda a naturalidade, acho por isso que fui um doente fácil para médicos e enfermeiros durante o período do meu internamento.

Por isso meus amigos, desde o dia 2 de Agosto de 2018 que posso dizer que deixei de ser hipocondríaco, passei a realizar exames médicos e a visitar médicos das várias especialidades, com a maior das naturalidades e deixei de temer a morte. O fim da vida passou a ser algo que enfrento com toda a naturalidade, apenas com um senão, gostava de acompanhar o crescimento dos meus filhos, ajudá-los a concretizar os seus sonhos, vê-los serem felizes com saúde, sempre com a nossa guerreira Paula por perto.

Nada disto invalida que os meus pensamentos catastróficos que em muito contribuíram para o estado depressivo em que me encontro tenham desaparecido, nada disso, são até mais atormentadores neste momento, mas não em relação aquilo que o futuro me reserva em termos de saúde, mas sim em relação à saúde e ao bem estar dos meus príncipes, da mulher por quem estou cada vez mais apaixonado e de todos aqueles que amo.

Alguns ao lerem este texto, acharão que a morte é algo associado à depressão através do suicídio, mas no meu caso e felizmente é algo que está completamente fora de jogo, porque nunca me ocorreram tais pensamentos,  seria cobardia da minha parte renunciar à vida, quando Deus me proporcionou a oportunidade de estar junto daqueles que amo, quando as taxas de sobrevivência de um episódio clinico como aquele que vivi, são bastante reduzidas, por isso meus amigos, nunca seria eu a renunciar à vida.   

Se estou a aproveitar a vida da melhor forma, mentiria se dissesse que sim, a maldita depressão não está a permitir que isso aconteça, mas estou a fazer um esforço hercúleo para superar a doença, ou pelo menos atenuá-la, com um único objectivo, estar o melhor possível junto da minha esposa e dos meus príncipes e viver momentos inesquecíveis em família, pois para mim tudo o resto está neste momento num patamar tão abaixo da minha expectativa de vida, que nem consigo sequer vislumbrar qualquer outra coisa além da família.

Este é apenas o meu desabafo e o meu testemunho, de como um acontecimento traumático pode alterar diversos aspectos da nossa vida, nomeadamente o de passar a encarar a morte com naturalidade e tentar focar-me na família e naqueles que amo como a exclusiva prioridade da minha vida. Às vezes pergunto-me se já irei tarde para emendar a mão e ter todo o meu foco direcionado para a Paula, o João Pedro e o Dinis, quero acreditar que não, mas que seja aquilo que Deus quiser.

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