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Desabafos

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26
Set19

Um Príncipe que virou Anjo

Paulo Dias

Hoje é uma data marcante na vida da minha família mais próxima, eu a Paula, o João e o Dinis (que apesar de ainda não ter nascido na altura, foi uma bênção que Deus nos mandou seis anos depois.

O nosso príncipe Alexandre faz hoje dez anos e jamais utilizarei o verbo fazer no passado, pois para nós ele estará sempre aqui presente.

Foi no dia 25 de setembro de 2009, cerca da 13H00 que a Paula deu à luz o Alexandre no Hospital da Estefânia, o parto decorreu sem complicações quer para a Paula quer para o Alexandre, através de cesariana.

Quando a Paula realizou a amniocentese, que a médica nos disse logo para irmos falar com o nosso obstetra, pois o Alexandre tinha um problema cardíaco. Foi o que fiz logo no dia seguinte, fui ao Hospital da CUF Descobertas falar com o obstetra da Paula, Dr. Francisco Madeira, pessoa da nossa máxima confiança e que acompanhou sempre a Paula, naquele dia ele disse-me que ainda era muito prematuro estarmos a afirmar isso. Na consulta seguinte o obstetra, observou a Paula e mandou-nos consultar um cardiologista pediátrico, especificamente o Dr. António Macedo. Foi o que fizemos logo nos dias seguintes num final de tarde e o pior confirmou-se o Dr. António Macedo disse-nos que o Alexandre tinha um problema cardíaco muito grave e encaminhou-nos para a Doutora Mónica Rebelo, cardiologista pediátrica no Hospital de Santa Marta. Nesse dia o meu mundo desabou, tínhamos o João connosco, que por aquela altura tinha três anos, não consegui conter as lágrimas e chorei compulsivamente, a Paula manteve a postura, até porque tínhamos o João connosco, mas eu não consegui.

Passados uns dias lá fomos ter com a Doutora Mónica Rebelo ao Hospital de Santa Marta e encontrámos além de uma grande profissional um ser humano fantástico, que voltou a realizar um ecocardiograma ao coração do Alexandre e confirmou-nos tudo o que ele nos tinha dito. Chamou-nos à atenção para o facto de já ter ultrapassado o período permitido para a interrupção da gravidez, ainda o poderíamos fazer porque a lei abria uma exceção quando se tratasse de casos como este. No entanto disse-nos que havia um professor fantástico e com altos níveis de sucesso em problemas cardíacos complicados naquele Hospital, Professor José Fragata. Aconselhou-nos a marcar uma consulta com ele no Hospital da CUF Infante Santo e ele explicar-nos-ia tudo ao pormenor. Marcámos a consulta no imediato e passados uns dias lá fomos à consulta com o Professor Fragata, atendeu-nos com toda a cordialidade, explicou-nos que era uma das situações mais complicadas e que o bebé tinha de nascer no Hospital da Estefânia e depois ser transferido de imediato para o Hospital de Santa Marta, onde seria sujeito a três cirurgias de forma faseada e conforme fosse avançando na idade, uma de imediato após o nascimento e a última por volta dos quatro anos. Perguntámos-lhe acerca das taxas de sucesso neste tipo de problemas e ele colocou-nos a falar ao telemóvel com uma rapariga do Algarve, que já tinha 20 e poucos anos e tinha precisamente o mesmo problema do Alexandre, os nossos corações encheram-se de esperança.

Bem os dias foram passando, não posso dizer que de forma normal, pois no nosso subconsciente estavam sempre a pairar uma série de questões sobre a hipótese de as coisas correrem mal, mas depois lá vinha outro dia que acreditávamos que tudo correria da melhor forma. Assim chegámos ao dia 25 de Setembro de 2009, a Paula deu entrada no Hospital da Estefânia logo pela manhã, mas o parto por cesariana ocorreu por volta da 13H00. O parto correu bem, a Paula estava bem, o Alexandre tinha nascido e não tinha necessitado de respiração artificial e foi logo encaminhado para a Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais, até que houvesse uma ambulância do INEM disponível preparada para o transporte de recém nascidos, a transferência acabou por se verificar perto das 16H00. Nos cuidados intensivos aconteceu o meu primeiro contacto com o Alexandre, ali estava ele na incubadora e não soubesse eu o que se passava e diria que estava perante o bebé mais saudável do mundo.

Fui ter com a Paula, para ver como estava e escusado será dizer que estava forte como sempre, eu chorava e ela consolava-me, quando havia de ser o contrário, mas pronto é assim, ela é o elo mais forte e resistente dos dois. Ela pediu-me para ir para Santa Marta para junto do Alexandre e foi o que fiz, lá estava ele na incubadora e a parecer o bebé mais forte do mundo, por volta das sete da tarde uma enfermeira, alentejana por coincidência, disse-me que tinha de sair e que voltasse no dia seguinte. Era sábado e lá estava eu logo pela manhã, fui dividindo dia entre visitas ao Alexandre e à Paula, esse dia terminou com mais uma visita ao Alexandre e depois voltei a casa, onde o meu principe João estava aos cuidados dos meus cunhados, Sandra e Jó.

Estávamos a jantar e recebi uma chamada da Paula, para eu entrar em contacto com o Hospital de Santa Marta, pois tinha acontecido algo com o Alexandre. De imediato liguei para Santa Marta e a enfermeira que me atendeu, disse-me que o Alexandre havia sofrido uma paragem cardiorrespiratória e havia sido transferido para a Unidade de Cuidados Intensivos. Outra vez o mundo a desabar e eu só chorava sem conseguir sequer raciocinar e perceber que tinha ali comigo um menino de três anos que não podia ver o pai assim, mas não conseguia parar. Recordo-me como se fosse hoje, que eu estava sentado em casa nas escadas de acesso ao primeiro andar e o João, sim esse príncipe de três anos, mas de uma sensibilidade imensa, sentou-se ao meu lado sem dizer nada e colocou-me o bracito sobre o ombro e ali ficou junto a mim.

No dia seguinte, domingo dia 27 de Setembro, segui de imediato para Santa Marta, onde fui recebido por uma profissional de mão cheia, Doutora Isabel, que me explicou o que havia sucedido e foi comigo aos cuidados intensivos para ver o Alexandre, só consegui ver do exterior através do vidro, chorava compulsivamente e não quis entrar. Segui então para a Estefânia para dar conta do sucedido à Paula, qual não foi minha surpresa, quando me deparei que ela estava quase pronta para abandonar o Hospital, mas isso não seria possível, ela tinha realizado uma cesariana apenas à um dia e meio, mas ela já tinha “moído” tanto o médico que este acedeu a dar-lhe alta.

Mal saímos da Estefânia, seguimos de imediato para Santa Marta acompanhados dos nossos amigos Marco e Susana, que durante todo este processo não nos deixaram um minuto. Chegados a Santa Marta foi de imediato para a Unidade de Cuidados Intensivos para junto do Alexandre e ali se manteve forte como sempre, já eu, apenas nessa tarde tive coragem de entrar.

A partir desse dia e durante os trinta e nove dias seguintes a nossa rotina era sempre a mesma, deixávamos o João no infantário às 08H00 e seguíamos de imediato para Santa Marta, onde permanecíamos o dia todo até termos que voltar para ir buscar o João às 18H00 ao infantário. A Paula mantinha-se forte, já eu não me conseguia controlar emocionalmente e depois quando chegava junto do João tinha de fazer um esforço redobrado para que isso não acontecesse. Os dias foram passando o Alexandre não apresentava melhoras, foi ainda sujeito a um cateterismo e à primeira cirurgia prevista em todo o processo, mas o estado de saúde dele degradava-se a cada dia. No entanto um dia que a esta distância não consigo precisar, subitamente os valores que eram monitorizados 24 sobre 24 horas melhoraram consideravelmente, foi a única vez que o pegámos ao colo, voltámos para casa felicíssimos, achámos que a partir dali seria sempre a melhorar, ele saía à mãe era fortíssimo.

Na madrugada do dia seguinte recebemos uma chamada de Santa Marta, a informar-nos que o Alexandre tinha tido outra paragem cardiorrespiratória e os médicos estavam a tentar reanimá-lo acerca de uma hora.

No dia seguinte a mesma rotina, chegámos a Santa Marta e fomos informados pela Doutora Isabel que tinha sido difícil aguentar o Alexandre com vida, a paragem do coração tinha sido muito prolongada e provavelmente teria provocado danos cerebrais e outros irreversíveis. Se a minha cobardia já não me permitia permanecer durante muito tempo junto ao Alexandre, a partir desse dia então passava o dia na sala de espera a olhar para as paredes e à espera do pior, enquanto a Paula que também precisava de mim, não abandonava a cabeceira do Alexandre por um minuto, por isso todas as desculpas que pedir à Paula e ao Alexandre pela minha postura cobarde, nunca serão as suficientes.

Passados um ou dois dias fomos chamados para uma conversa com a Doutora Fátima Pinto, responsável na altura pela Cardiologia Pediátrica, disse-nos que não havia já muito a fazer pelo Alexandre, que restava esperar pelo momento que Deus o quisesse junto dele. Perguntou-nos se queríamos que fosse batizado, ofereceu-se para falar com o Padre do Hospital e ser ela a madrinha, aceitámos de imediato, apesar de nessa altura eu que sempre fui crente já estar numa fase de revolta para com Deus. Questionava-me várias vezes, que Deus era este que queria levar para junto de si o nosso anjinho.

A partir desse dia decidimos eu e a Paula que durante a noite deixaríamos os telemóveis sem som e longe de nós, sendo que na manhã de 3 de Novembro de 2009, quando acordámos tínhamos mais de uma dezena de chamadas do Hospital de Santa Marta, ligámos de volta, mas não era preciso, as nossas cabeças pensaram de imediato que tinha chegado o dia do nosso príncipe virar anjinho. Devolvemos a chamada e confirmaram-nos aquilo que temíamos o Alexandre havia falecido durante essa madrugada acometido de mais uma paragem cardiorrespiratória.

Fiz um esforço emocional enorme, fui deixar o João ao Infantário e quando voltei a casa, eu e a Paula abraçamo-nos e chorámos juntos, sem dizer uma única palavra. Por sorte tivemos amigos e familiares que nos trataram de toda a burocracia, desde a primeira hora referimos que só queríamos que o Alexandre chegasse à igreja na hora da missa e que o caixão não fosse aberto. A igreja estava repleta de amigos e familiares para se despedirem do nosso anjinho e foi assim que tudo terminou passados 39 dias sobre o nascimento de um anjo, que neste momento estará certamente junto a Deus a olhar por todos nós.

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